Medicina Sem Vestibular

Medicina Sem Vestibular

Quando escutamos pela primeira vez essa frase, pensamos que algo está errado, afinal, crescemos e vivemos em um país no qual se ensina, que o objetivo da educação durante a vida do estudante, é como produto final o ENEM, e depois uma boa Universidade.

Medicina Sem Vestibular

Muitas vezes, não é considerado o fato que cada país possui seu modelo educacional. Sendo assim, como funciona na Argentina?

Em outubro de 2015, foi sancionada a Lei 24.521, que proíbe a aplicação de provas ou exames de ingresso para qualquer universidade argentina. A partir disso, a educação universitária passou a ser de acesso irrestrito.

Portanto, cada universidade tem a autonomia para definir os requisitos de ingresso e regularidade de seus alunos.

“Art. 7º. Todas las personas que aprueben la Educación Secundaria pueden ingresar de manera libre e irrestricta a la enseñanza de grado en el Nivel de Educación Superior”.
(Tradução livre: Todas as pessoas que aprovem o Ensino Médio podem ingressar de maneira livre e irrestrita ao ensino de graduação no Nível de Ensino Superior).

A mudança nessa lei corrobora a premissa que a Argentina foi o segundo país da América Latina a estabelecer uma educação primária, secundária e universitária pública e de qualidade. Segundo a Unesco, a educação argentina garante a igualdade ao possuir características institucionais que impedem a mercantilização da educação. Fatos estes que se podem ser averiguados no último censo (2010), onde a taxa de analfabetismo foi de 1,9%, sendo a segunda mais baixa da América Latina.

As diferenças entre Brasil e Argentina não ficam apenas na esfera de ingresso universitário. Nos deparamos com um contraste no foco das competências nos desenhos curriculares da Argentina:

Fundamentação da Democracia: existe um importante destaque na formação do cidadão, crítico com seu entorno, capaz de discernir entre diferentes posições e ideias. Na sala de aula é fundamental a aprendizagem de atitudes democráticas como: respeito, tolerância e cooperação.

Desenvolvimento da personalidade: os professores empenham-se em trabalhar com propostas educativas que construam de certa maneira capacidades, autonomia e identidade do sujeito como indivíduo. Se estabelecem reflexões sobre o pertencimento de diferentes grupos sociais e a boa resolução de relações conflitivas.

Aumento do conhecimento e da cultura: amplia-se a visão do estudante para o conhecimento da “alta cultura”, considerada como maior potenciador de transformação. É incentivado desde cedo o apreço pela literatura, teatro e política.

Inserção dos sujeitos no mundo: uma de suas dimensões mais importantes é a formação do estudante para o trabalho. Assim sendo, houve uma orientação nos últimos três anos no ensino médio argentino, para uma educação “Polimodal”, que compreende: Ciências Naturais, Economia e Gestão de Organizações, Humanidades e Ciências Sociais, Comunicação, Arte e Desenho.

Posto isso, é natural que assim como a educação em geral é vista e trabalhada de modo mais aprofundado no aluno e na sua construção como individuo, a Argentina veja o acesso à Universidade como único meio possível de mudança na sociedade.

O vestibular que é tão admirado no Brasil, e considerado o único meio possível para cursar uma graduação, é um modelo utilizado por poucos países ao redor do mundo. Além do mais, os processos seletivos costumam ser assentados na cultura de cada lugar. Alguns exemplos são:

Estados Unidos: Todos os anos é realizada uma prova para os alunos que estão concluindo o “high school”, conhecida como o SAT (Scholastic Aptitude Test). Os resultados do SAT são considerados, mas alguns outros fatores também são avaliados, como ter um bom histórico escolar e participar de atividades extracurriculares.

Itália: existe acesso igualitário à universidade para toda a população. O pré-requisito é ser formado no ensino médio. Somente os cursos mais concorridos exigem exame de admissão.

Canadá: não há um padrão para o acesso às instituições de ensino superior. Os pré-requisitos são chamados de regras nacionais: ter completado o High School e passar em um teste de leitura crítica e interpretação de texto.

França: o acesso ao ensino superior é garantido a todos os estudantes do país. Após a conclusão do colégio, os alunos prestam um exame chamado Baccalauréat (também conhecido como le Bac), que cobra conhecimentos variados, de acordo com o curso que o estudante pretende seguir na universidade.

Rússia: o aluno inicia um curso de russo de no máximo 16 meses, dado pela própria instituição onde o aluno fará a graduação. É chamada de faculdade preparatória. Só depois da aprovação na língua é que se pode ingressar na especialidade, que dura de 4 a 6 anos.

Diferente do Brasil, o “filtro” ocorre dentro da própria universidade, quando o aluno está – de fato – cursando a graduação escolhida, e não quando ele pretende ingressar. Isso se expressa no número de pessoas, que ingressam todos os anos e o número daqueles que se formam. Segundo o Jornal Infobae, 74% dos ingressantes não consegue finalizar a graduação no prazo de 6 anos. Em 2016, outro dado que chamou muito atenção, foi o fato de que 50,8% dos alunos universitários não conseguiram aprovar mais de uma matéria depois de um ano de permanência no curso.

Os alunos passam por muitos “processos seletivos” dentro da carreira escolhida para cursar, além das próprias dificuldades que Medicina, por exemplo, impõe, o aluno estrangeiro tem o desafio de viver longe dos seus familiares, outra cultura, novos costumes, um idioma para ser estudado e aprendido, já que o sucesso universitário dependerá do domínio da língua.

Afinal, a maioria das provas realizadas contam com uma instancia oral, da qual não existe a menor possibilidade de aprovação, sem a demonstração factual do aprendizado.

Logo, a afirmação que aqueles que optam por cursar medicina na Argentina estão meramente em busca de facilidades – embora, alguns, erroneamente buscam com tal fim – é um discurso firmado no preconceito e na ignorância.